No
outro dia, estava sentada no sofá de casa da minha avó quando ela me disse:
-
Olha, o marido da Dona Natália faleceu.
A
primeira coisa que lhe disse foi:
-
Aquele senhor com nome de rei mago?
A
minha avó disse-me que sim e eu olhei para ela, encolhi os ombros e disse:
-
Então, é a lei da vida, ele também já não era novo.
Quando
reflito sobre o assunto reparo que eu não era assim, acho que me tornei
bastante fria em relação à morte. Talvez tenho sido a morte dos meus tios que
me tornou assim. Não sou pessoa de dar os pêsames ou os sentimentos a alguém e
apenas agradeço por educação. Acho que tudo isso é uma estupidez, não é isso
que faz com que uma pessoa se sinta melhor e muito menos trará a outra pessoa
de volta.
Por
vezes sinto necessidade de “falar” com os meus tios, com o meu avô e com a
minha bisavó, sei que nunca obterei uma resposta, mas para mim é reconfortante
ir ao cemitério, sentar-me na campa ou chegar-me perto do gavetão e “falar” com
eles. Nem que seja apenas um “tenho saudades”.
A
morte nunca me chocou, nem nunca me fez confusão, tive o meu primeiro contacto
com o suicídio tinha 5 anos, mas não vou falar sobre isso. Aos 11 voltei a ter
outro encontro com a morte. Da primeira experiência não me lembro e da segunda,
muito pouco. Por volta dos 13 tive a minha segunda experiência com o suicídio e
essa sim, foi a primeira morte que me marcou.
Lembro-me
como se fosse hoje, a minha mãe chamou-me à sala e disse-me que a vizinha da
minha avó tinha morrido. Pode parecer-vos extremamente estupido que a primeira
morte a chocar-me tenha sido de alguém exterior à minha família. Mas a verdade
é que para mim ela era quase família.
Sempre
me pareceu estranho, as pessoas tocarem nos mortos e a mim, até o simples facto
de ver uma pessoa morta me fazia confusão. Mas sabem que a curiosidade é uma
coisa tramada, e eu tenho o problema de ser bastante curiosa, talvez até um
pouco mais que as restantes pessoas. O que aconteceu no funeral do meu tio foi
que a curiosidade levou a melhor, nunca vira um morto e talvez por isso, ou por
ser o meu tio, eu tenha tido tanta vontade de o ver. Quando a minha prima me
perguntou se eu queria vê-lo, acho que abri muito os olhos e devo ter feito uma
grande cara de admiração, lembro-me que quando estávamos a ter esta conversa,
alguém entrou e levantou o pano, baixei a cabeça para não o ver. Quando o
taparam novamente a minha prima disse-me que já estava, olhei para ela e
disse-lhe que queria, mas que não tinha coragem. Ela sorriu, e disse-me que se
eu queria ver o melhor que fazia era que o fizesse. Durante todo o velório
tentei vê-lo, ganhar coragem para o fazer, mas nunca consegui. Mas tal como já
disse a curiosidade levou a melhor, no último momento, já no cemitério quando
eles abrem o caixão para a família se despedir eu fechei os olhos e depois
pense: deixa de ser cobarde, é o teu tio! E então abri os olhos, e vi-o ali
deitado como se estivesse a dormir.
O
que mais me chocou até hoje, não foi a morte em si, mas a parecença entre os
meus tios. Nunca tinha reparado em como eles eram parecidos. Sempre os achei
diferentes, hoje dou-me conta de que só eu achava isso. Toda a gente via as
parecenças menos eu. Mas sabem que mais fico contente por só eu ver isso,
porque isso quer dizer que eu olhava para os meus tios de maneira diferente. Eu
posso dizer que os meus tios eram só meus ou pelo menos a forma como eu os via era só minha. :)
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