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domingo, 24 de maio de 2020

Ao meu Avô Calado #1

Olá Avô

Passou-se exatamente um mês e 23 dias desde a tua partida A e só hoje ganho coragem para te escrever. Têm sido dias duros e incertos Avô, esta tua ausência não estava nos planos. 
Há mais de um ano que não tinha vontade de escrever, mas este ano mais do que nunca faz sentido voltar a escrever. Quero honrar o pedacinho da alma poeta que herdei, impõe-se por isso que o meu regresso seja marcado por esta "carta" para ti. 
Não sei se a conseguirias lê-la mesmo que ta pudesse enviar, mas alguém ta leria. Já me disseram que estás mais jovem Avô, quero acreditar que sim, e que de alguma forma podes ler o que te escrevo. Há tanta coisa que gostava de te contar Avô, mas preciso de começar por te contar o quão difícil foi o dia em que nos deixaste. 
Sabes Avô, a vida estava muito complicada antes de tu partires. Se cá estivesses irias contar histórias sobre a Gripe Espanhola, porque estamos a viver exatamente o mesmo. Anda por aí um vírus que ninguém sabe como matar e ficámos todos fechados em casa. Vê lá tu que quase não se fazia o 25 de abril e o 1º de maio! Mas fez-se porque é assim que tem que ser, e nós cantámos o Grândola e o Hino à janela Avô. Também foi por causa do vírus que não te fomos ver mais ao hospital e só conseguimos estar um bocadinho contigo quando saíste de lá. Perdoa-nos por isso Avô, quero que saibas que nunca te abandoná-mos. 
Sabes Avô, o dia em que nos deixaste entrou diretamente para o topo dos dias mais difíceis de digerir da minha vida. Não te cheguei a contar mas fui despedida na manhã do dia em que nos deixaste. Não deixa de ser hilariante que os versos que me escreveste na fita de finalista fossem "A vida de estudante não tem descanso nem sossego. Leva anos a estudar e depois não tem emprego". Gostava que estivesses aqui para os amaldiçoar e dizer que vai correr tudo bem.
Sabes Avô, há dias em que dói mais que outros, mas em todos sinto a tua falta. A vida continua, bem sei, mas às vezes preciso de uma direção e neste momento estou um bocado perdida sabes? Parece-me tudo um bocadinho negro Avô
Sabes Avô, não sinto que me tenha despedido de ti como devia. Sinto que te falhei quando não estive presente para te defender daquele horrível profissional que te foi buscar a casa, sinto que te falhei quando apenas me despedi de um bocado de madeira sem sequer olhar para ti. Bem sei, que estou enganada, não preciso que o digas. 
Sabes Avô, o meu carro está outra vez avariado. Tenho sentido a falta de perguntares pelo carrinho e reclamares por o meu pai ter comprado uma mota em vez de um carro. Temos sentido a tua falta quando estamos na garagem Avô, faz-nos falta o nosso mestre de obra. 
Sabes Avô, vamos montar uma estrutura para ter sombra no quintal da avó. Ias gostar de ajudar no projeto, ias gostar de nos ver trabalhar e claro, dar os teus palpites. 
Sabes Avô, não sei se vamos comemorar o teu aniversário este ano. Tu deixaste-nos e a avó não quer, mas eu queria muito Avô, uma churrascada com a família toda como tu gostavas, todos sentados à mesa. Bom, isto do vírus também veio complicar tudo. Durante algum tempo mal íamos à avó, mas depois tu deixaste-nos e tudo o resto deixou de parecer importante. 
Sabes Avô, desde o dia em que te deixámos que o teu relógio de bolso nunca mais parou. Todos os dias lhe dou corda, é uma forma de te sentir um bocadinho mais próximo de mim. 

Com amor, 
Da tua bisneta Joana

 




segunda-feira, 19 de novembro de 2018

L' #1


Tens vindo aos poucos a conhecer cada parte de mim, menos esta... Este recanto tão público, tão disponível, mas ao mesmo tempo tão privado, tão só meu.
Tens visto coisas de mim que mais ninguém viu. Partes de mim que têm permanecido escondidas. Se por um lado vês a mulher guerreira, por outro ela permitiu-te ver a menina indefesa que defende.
Estamos aos poucos a construir a nossa felicidade. Estamos a construir uma vida os dois. E este trabalho de construção é tão bom.

terça-feira, 23 de outubro de 2018

#70


2018, o ano que me fez ter vontade de voltar a escrever. O ano do está tudo bem e a seguir está tudo uma merda, o ano das decisões difíceis, das perdas complicadas. Este tem sido o ano em que tantas vezes ri como chorei até não ter mais forças, o ano em que perdi tantas pessoas quantas entraram na minha vida. Dois meses antes do final do ano talvez tenha chegado a altura de fazer uma retrospectiva.
Estive prestes a desistir de tudo no início do ano, a certa altura sinto que me conformei, aceitei a ideia de que nunca ia concretizar o sonho de trabalhar na área. A relação em que estava era complicada, discussões atrás de discussões, gritos, lágrimas, falta de apoio, falta de maturidade, noites sem dormir. A situação complicou-se de tal forma que voltei a ter ataques de pânico, era urgente tomar uma decisão.  
Tomei a primeira grande decisão em março, decidi que ia desistir da relação e ia apostar em mim, o plano começou a formar-se na minha cabeça quando a decisão de acabar foi tomada. O mestrado ia ser uma realidade, um ano para preparar tudo, arranjar dinheiro e preparar a candidatura.
Enquanto na minha cabeça o meu plano para os próximos anos estava claro, tudo o resto à minha volta começava, aos poucos, a desmoronar-se. Junho, o mês que me trouxe um misto de sentimentos, recebemos a notícia de que nos devíamos preparar para a morte da minha prima no dia 4 e nesse mesmo dia tinha recebido uma chamada que marcava a entrevista para quarta-feira, no meio do túnel que se desmoronava à minha volta, havia uma luz, uma réstia de felicidade. Mentalizei-me e enfiei na cabeça que não me queria despedir dela numa cama de hospital, mais uma noite em branco, conversas sozinha no quarto.
No dia seguinte enquanto ia para o trabalho decidi que precisava de me despedir dela, mas no momento em que deveria ter virado em direção ao hospital, continuei em direção ao trabalho. Estava a começar a trabalhar quando o telefone tocou, o nome da minha mãe no visor disse-me que tinha acontecido ainda antes de atender a chamada. Tive quem me agarrasse no momento em que tudo caiu, em que eu me senti afundar num buraco sem fundo. Mas não podia, eu não podia ir abaixo, era preciso segurar os outros, desmarcar a entrevista, era preciso agarrar o avô, eu não tinha tempo para ir abaixo.
Velório, noite à porta da igreja, mais uma. Funeral, dor, lágrimas. Lembro-me perfeitamente do que pensei no momento em que vi o caixão passar as cortinas, acabou, agora acabou, ficas junto de quem também te quer bem, sei que a avó te veio buscar, não precisas de ter medo, não sofres mais.  Quando finalmente percebi que também eu já podia descansar, deitei-me no sofá e adormeci. Acordei com o toque do telefone, era novamente da entrevista, atendi, estavam dispostos a dar uma oportunidade mesmo eu tendo desmarcado a entrevista, a pequena luz que havia ao fundo do túnel acendeu-se com uma intensidade enorme.
Terça-feira saí de casa de manhã, com uma força de quem não passou por nada de mal, com a vontade de conquistar o mundo. Passada a entrevista ouvi aquelas palavras como se estivesse numa bolha de sabão: se estiver interessada o lugar é seu. Tive vontade de me levantar da cadeira e abraçar a rapariga, chorei quando cheguei ao carro ao ouvir a voz de felicidade da minha avó quando lhe contei, estava feito, estávamos a concretizar o nosso sonho e sabia tão bem.
Julho, estava tudo a correr bem, o sonho a ser realizado e depois aquela chamada, 10 minutos depois de a minha mãe sair de casa liga-me, atendo, percebo pela voz dela que algo se passa, pede-me que tenha calma, questiono várias vezes o que tinha acontecido, silêncio e de repente aquelas palavras que me trespassaram o coração como facas: "A tia Emília faleceu". Não queria acreditar, o chão fugiu-me debaixo dos pés e fiquei de joelhos no chão do quarto, não, a minha garganeira, não! Dias de espera, dias intermináveis, finalmente a notícia de que podia ir para baixo, de que ia para a igreja nessa tarde. E no meio de tudo o que se desmoronava, ele aparece na minha vida. Mal sabia eu que me ia apaixonar.
Agosto, despedida... Sem perceber nem como, nem porquê. Chatices atrás de chatices, andar para trás e para a frente, e eis que surge a oportunidade. Voltar a erguer a cabeça, voltar ao trabalho na área. Tive dúvidas, tive tantas dúvidas. Mas ele estava lá e aquelas palavras fizeram-me tomar a decisão.
Estamos em Outubro, a minha vida deu uma volta de 180º. Mas estou feliz, acima de tudo e apesar das chatices, estou feliz 

terça-feira, 11 de abril de 2017

#69

Um rasto de destruição, um rasto de destruição é tudo o que eu sinto dentro de mim neste momento. Pela primeira vez em muito tempo não sei lidar com o que sinto, falta-me as forças, dói-me bem lá no fundo, dói-me. Tentar reconstruir dói, hoje tentar reconstruir pesa toneladas, cada pedra parece estar em chamas e dói, dói tanto.
Quero ficar aqui, quero fechar-me no meu casulo e não sair de lá. No meu casulo nada me pode magoar e aqui fora a dor é tanta. Lá bem no fundo meio apagada está aquela voz que diz que eu tenho que sair daqui, tenho ganhar coragem para me despachar e ir trabalhar. Mas eu não tenho forças e a voz está tão lá ao fundo...

sábado, 11 de fevereiro de 2017

#68

Às vezes preciso de ser quebrada, preciso que tudo esteja em ruínas à minha volta porque é nessas alturas que me lembro da força que tenho. Eu levanto-me no meio das ruínas, aos poucos vou colocando pedra sobre pedra e começo a reconstruir, a reconstruir-me. Não estava a ser fácil, desta vez as pedras pensavam toneladas.

Mas depois tu apareceste, caminhaste no meio das minhas ruínas e abraçaste-me. Foi o abraço mais reconstrutor de todos, naquele momento todas as pequenas partículas se juntaram dentro de mim.

E ali estavas tu, no meio dos escombros, os olhos cravados nos meus e nessa altura eu soube e tive a certeza que tu estavas ali para me reconstruir.
O teu caminho cruzou o meu na altura certa e eu sorri enquanto tu começavas a reconstruir-me aos poucos. E eu juntei-me a ti e tudo se tornou mais leve. Porque tu estavas ali e sorrias